As mudanças climáticas representam um dos maiores desafios enfrentados pela humanidade. O aumento das temperaturas e dos eventos climáticos extremos têm desencadeado uma série de consequências em todo o mundo, desde o deslocamento de populações até a escassez de recursos básicos como água e alimentos. Esta situação não é diferente do Brasil, com diversos exemplos de desastres, afetando fortemente as pessoas já vulnerabilizadas.

Na Bahia, os efeitos das mudanças climáticas influenciam diretamente diversos aspectos socioeconômicos e ambientais do estado. A região enfrenta impactos significativos, como o aumento da frequência e intensidade de secas prolongadas, a modificação nos padrões de chuva e a elevação do nível do mar, afetando suas extensas áreas costeiras. Com isso, as ilhas da Bahia, e a Ilha de Itaparica, em particular, devem se preparar para enfrentar os novos cenários previstos pelos modelos climáticos globais que, no pior dos cenários, preveem que a superfície da Terra pode aquecer entre 2,6 °C e 4,8 °C ao longo deste século, fazendo com que o nível dos oceanos aumente entre 45 e 82 centímetros.

Para a Ilha de Itaparica, há previsões de aumento do nível do mar, da erosão costeira e até mesmo da salinização dos aquíferos e dos recursos hídricos. Estes impactos ameaçam a sua biodiversidade, sua infraestrutura, a economia local e os meios de subsistência das populações locais. 

Diante desse contexto, nós, mulheres moradoras da Ilha e demais interessadas, nos integramos ao projeto TERRITÓRIOS INSULARES NA AÇÃO CLIMÁTICA, desenvolvido pelo Instituto Maré Global e apoiado pelo Fundo Casa Socioambiental. Por meio de parceria com a Universidade Federal da Bahia e organizações Socioambientalista como a Pró Mar, Mulheres Unidas pelo Clima (MUC), Grupo Ambientalista da Bahia (Gambá) e Além do QSV, nos reunimos em cinco encontros com o objetivo de destacarmos o que precisa ser feito pelos governos locais para poder enfrentar a nova realidade que se anuncia.

Esperamos que, a partir deste manifesto, sejam discutidas formas de participação efetiva dos respectivos governantes, especialmente para garantir tanto a participação da sociedade civil no enfrentamento às mudanças climáticas como os modos de vida da população local, seu acesso à água e alimentos, e o direito ao meio ambiente saudável. As soluções apresentadas têm o objetivo de reduzir a emissão de gases do efeito estufa e, ao mesmo tempo, garantir a adaptação às mudanças climáticas, contribuindo para uma sociedade mais resiliente. 

Sendo assim, nos manifestamos pelo(a):

  1. Aprovar o projeto de lei que institui o PDDU (Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano) do município de Vera Cruz, elaborado em setembro de 2016 com ampla participação, assim como a implementação do PDDU do município de Itaparica, já aprovado. No PDDU, que seja dada especial atenção à importância e urgência de implementação de ações sobre os itens relativos a:
  • Implementação de Programa de Gerenciamento Integrado de Resíduos Sólidos, tendo como base a Política Nacional de Resíduos Sólidos, seguindo a ordem de prioridade ali instituída de (i) não geração, (ii) redução, (iii) reutilização, (iv) reciclagem, (v) tratamento dos resíduos sólidos e (vi) disposição final ambientalmente adequada aos rejeitos. Neste sentido, deve ser garantida a realização de coleta seletiva nos municípios da Ilha, assim como a garantia do funcionamento efetivo do Aterro Sanitário;
  • Tratamento efetivo dos efluentes líquidos neste Programa de Gerenciamento Integrado de Resíduos (PGRS), com especial atenção às áreas de manguezais;
  • Impedimento de novas moradias irregulares nas áreas de  Proteção Permanente (APP), principalmente em áreas de manguezais;
  • Garantias de efetividade do Z.E.E. (Zoneamento Ecológico e Econômico);
  • Efetivação de Programas de Recuperação de Áreas Degradadas, incluindo a lagoa de chorume, e contando, quando for o caso, com o financiamento das empresas responsáveis pelos impactos;
  • Elaboração e implementação de Programa de Recuperação dos Olhos d’água e Bacias;
  • Mapeamento e Programas de recuperação dos ecossistemas (restinga, manguezal, recifes e matas).

    2. Efetivar a integração entre as políticas públicas e sua implementação com respeito aos aspectos ambientais, com a Criação da Secretaria do Meio Ambiente e Clima, com atribuições de: formulação, execução e avaliação de políticas públicas ambientais e ação climática; articulação e coordenação de planos e ações setoriais relacionados ao meio ambiente; licenciamento e fiscalização ambiental; promoção de ações de educação ambiental e climática; controle, regularização, valoração, proteção e recuperação de recursos naturais e bens ambientais.

    3. Realizar estudos voltados à proteção socioambiental, especialmente no que diz respeito a:

  • Riscos climáticos previstos para a Ilha de Itaparica, tendo em vista os cenários apresentados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC), que incluem aumento do nível do mar, ondas de calor, inundações e desmoronamentos, entre outros;
  • Impactos causados pela dragagem no terminal náutico de Mar Grande;
  • Riscos ambientais e prejuízos econômicos em função da ocupação da linha de costa e da sensibilidade à erosão;
  • Impactos causados pela construção da ponte ligando Salvador a ilha de Itaparica tanto em termos de emissão de gases efeito estufa como de expansão imobiliária derivada nos espaços costeiros. Ainda no tocante a estudos aos impactos, queremos transparência sobre o estudo de impactos a serem trazidos pela Ponte Salvador – Itaparica e a garantia de programas e ações voltados à minimização efetiva desses impactos.
  • Impactos nos rios pela constante demanda de efluentes líquidos resultantes da falta de um saneamento adequado e que terminam por contaminar áreas de preservação ambiental, responsabilizando a quem é de direito.

    4. Criar os Sistemas de Proteção a Desastres Ambientais, que tenham como base, sempre que possível, Soluções baseadas na Natureza e estratégias de Adaptação baseadas em Ecossistemas.5. Fortalecer o Sistema Municipal de Meio Ambiente, em especial seu COMDEMA (Conselho Municipal), com efetiva participação dos representantes da sociedade civil, mas também dos representantes governamentais. Neste sentido, é necessário fortalecer as estratégias de governança entre os governos estadual e municipais, a fim de garantir acesso a recursos técnicos e financeiros. Necessário ainda, a elaboração dos planos de Manejo e a efetivação dos Conselhos Gestores das APAs existentes no território (Recife das Pinaúnas, Parque Ecológico do Baiacu, Estação Ecológica de My Friend, Estação Ecológica Ilha do Medo) de acordo com os prazos estabelecido pela Lei Federal 9.985 (18 de julho de 2000) que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC).

    6. Criar e implementar o Programa de Educação Ambiental e Climática, tanto formal quanto não formal, com a participação efetiva do conhecimento de comunidades tradicionais, marisqueiras e pescadores, e quilombolas, voltado a toda a sociedade da Ilha de Itaparica e seus comerciantes, inclusive turistas.

    7. Fortalecer estratégias e ações voltadas ao turismo sustentável, envolvendo fortemente o turismo de base comunitária, garantindo não apenas a preservação dos recursos naturais utilizados como ativos turísticos, mas também a geração de oportunidades de renda para as populações locais.

    Todos estes processos devem ser realizados com efetiva participação da sociedade civil, organizada ou não, da Ilha de Itaparica, com forte preocupação na redução das vulnerabilidades, das injustiças e do racismo socioambiental, e também do chamamento de todas as empresas que têm passivos socioambientais com a Ilha para atuarem por meio de suas ações de responsabilidade organizacional, com a redução destes.

    Assinam esse Manifesto as 20 mulheres moradoras da Ilha de Itaparica, integrantes do projeto e que já sentem os impactos das mudanças climáticas em suas vidas, as 10 pesquisadoras da UFBA que auxiliaram sua realização e mais de 220 moradores e frequentadores da Ilha, apoiadores da causa, juntamente com o Instituto Maré Global, o qual teve a iniciativa do projeto e foi apoiado pelo Fundo Casa.

    Vera Cruz,

    05 de dezembro de 2023

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    Adriana Muniz

    Presidente

    Instituto Maré Global